Como é sabido, em 2021, foi aprovado um regime de medidas especiais de contratação pública que, entre outros aspetos, criou procedimentos simplificados aplicáveis a áreas de prioridade política, em especial as que envolvessem contratos destinados à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, à promoção da habitação pública ou de custos controlados e à descentralização, ou ainda contratos relacionados com os setores das tecnologias de informação e conhecimento e da saúde e apoio social.
Com o Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de novembro, entrarão em vigor em dezembro próximo, novas alterações aos procedimentos pré-contratuais.
Clarifica-se, agora, desde logo no preâmbulo, que o regime das medidas especiais de contratação pública de 2021 são também aplicáveis a contratos que se destinem à execução de projetos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e além disso, são aplicáveis até 31 de dezembro de 2026, à celebração de contratos que se destinem à promoção de habitação pública ou de custos controlados ou à intervenção nos imóveis cuja titularidade e gestão tenha sido transferida para os municípios, no âmbito do processo de descentralização de competências, e ainda, aos contratos sobre tecnologias de informação, e ainda, a obras públicas e se destinem à construção, renovação ou reabilitação de imóveis no âmbito dos setores da saúde e do apoio social.
É ainda criado um novo regime de conceção-construção especial, integrado no regime das medidas especiais de contratação pública.
Destacamos, ainda, algumas alterações relevantes ao atual regime do Código dos Contratos Públicos:
Foi alterado o artigo 72.º, no que respeita à fase de análise das propostas, esclarecendo a lei, quase a título de exemplos fácticos, situações em que é licito o convite para suprir irregularidades da proposta, designadamente, por não apresentação ou apresentação incorreta de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da candidatura ou da proposta, por falta de junção de tradução em língua portuguesa de documentos apresentados em língua estrangeira, ou ainda, por falta ou insuficiência da assinatura, incluindo eletrónica, de quaisquer documentos que constituam a candidatura ou a proposta, as quais podem ser supridas através da junção de declaração de ratificação devidamente assinada e limitada aos documentos já submetidos.
Esta alteração revela-se pertinente porquanto poderá vir a ter como efeito a diminuição de uma substancial parte dos litígios que têm vindo a ser levados aos tribunais.
O artigo 75.º vem permitir uma concretização daquilo que alguma doutrina tem preconizado como “preferências locais”, desta feita, no que respeita aos critérios de adjudicação, com fundamento e a pretexto de razões ambientais.
Podemos dizer, ainda, que o regime dos trabalhos complementares foi aprimorado, designadamente, pela introdução de requisitos inerente ao próprio conceito, isto é, a respetiva realização revela-se necessária para a execução dos trabalhos previstos no contrato.
Adapta-se, ainda, a legislação da contratação pública, ao regime vigente sobre as garantias dos bens de consumo, designadamente, a garantia legal de 3 anos.
De resto, impõe-se uma restrição do acesso ao procedimento de ajuste direto às situações em que nenhum concorrente tenha apresentado proposta ou nenhum candidato se haja apresentado, ou em que as propostas sejam consideradas “inadequadas”, à luz do Direito da União Europeia.
Relativamente a contratos de valor inferior aos limiares das diretivas, pode recorrer-se ao procedimento de ajuste direto caso todas as propostas ou todas as candidaturas tenham sido excluídas em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação.
E, noutra abertura legal, permite-se a escolha dos procedimentos de negociação e diálogo concorrencial nas hipóteses em que tenha havido “propostas inaceitáveis” ou “propostas irregulares” à luz do Direito da União Europeia.
Impõe a lei que a possibilidade de reservar contratos a determinadas entidades para a formação de um conjunto de contratos de uso corrente de valor inferior ao limiar das diretivas, só é possível se os mesmos não revelarem “interesse transfronteiriço certo”.
Mais uma vez, a necessidade de concatenação entre o direito interno e o direito da União Europeia, sobretudo no que respeita à concretização dos princípios subjacentes à contratação pública, obriga o intérprete a conhecer os conceitos, a jurisprudência e a prática judiciária (que tantas vezes dão azo a alterações legislativas), sendo certo que só assim se alcançam, com razoável segurança, as normas jurídicas em vigor.