Tribunal Constitucional relembra pressupostos de criação de associações públicas
Em 13.07.2021, o Tribunal Constitucional, por acórdão n.º 522/2021, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas contidas na Lei n.º 73/2019, de 2 de setembro, que procedeu à reinstitucionalização da Casa do Douro enquanto associação pública de inscrição obrigatória, aprovando os respetivos Estatutos.
Na prática, uma das atribuições da sobredita associação seria a representação dos viticultores, junto de entidades públicas e privadas, colocando-se a questão de saber se o Estado goza de um poder discricionário de criar associações públicas, de inscrição e quotização obrigatória, prescindindo da liberdade individual de associação.
Exemplo típico de situações em que se discutiu a obrigatoriedade de inscrição, são as Ordens Profissionais, já objeto de arrestos do Tribunal Constitucional, na medida em que a criação das sobreditas associações constitui um ato de autoridade, cuja finalidade será sempre a satisfação de interesses gerais, v.g. a regulação de uma determinada profissão, com as respetivas prerrogativas de direito público. Nestes casos, não está em causa, naturalmente, exercer funções próprias de associações sindicais.
O ponto é que a criação de tais entidades pressupõe a necessidade de tutela de um interesse público de especial relevo que o Estado não possa assegurar diretamente.
O Tribunal Constitucional assume que, no caso das associações públicas, a prossecução do interesse particular dos associados, apesar de não estar vedado, terá que comportar uma vertente meramente acessória ou até instrumental da finalidade pública prosseguida, v.g., conformar a produção e a comercialização dos vinhos produzidos na Região do Douro, as quais, em concreto, são exercidas pelo Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, I.P.
É interessante notar a forma como o Tribunal Constitucional recupera toda a doutrina da organização administrativa do Estado, que define associação pública como “uma pessoa coletiva de direito público, de natureza associativa, criada como tal por ato do poder público, que desempenha tarefas administrativas próprias, relacionadas com os interesses dos seus próprios membros” (vg. Professor Vital Moreira) ou “pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos” (v.g. Professor Freitas do Amaral).
Nesta ótica, considerando a mera representação genérica dos interesses de todos os viticultores da Região Demarcada do Douro, não há dúvidas que serão tais viticultores as pessoas mais indicadas para prosseguir os seus próprios interesses, designadamente, através da constituição de associações de direito privado.
Atendendo às atribuições que são acometidas à Casa do Douro, entendeu o Tribunal Constitucional que esta não preenche os requisitos para assumir a forma de associação pública de interessados, enquanto instrumento de descentralização administrativa, bem como estar em violação da liberdade de associação.
Conclui-se, assim, para qualquer entidade pública: sem que se prevejam quaisquer tarefas públicas, bem como a satisfação de necessidades públicas específicas, estará sempre vedada a criação de associações públicas, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa.